Apesar de seu conceito ser originário dos meios militares, mais particularmente na França do século passado, a logística vem assumindo, no meio empresarial, um significado bem mais amplo. Como define um dos maiores especialistas brasileiros no assunto. Geraldo Vantine, “a logística é a arte e a ciência dos fluxos de materiais, atuando em um sistema integra as áreas de suprimentos, produção e distribuição, além do fornecedor e do consumidor final”.

Em entrevista à Folha, Vantine, que acaba de retornar da Europa, relata que nesta viagem constatou a sofisticação alcançada pela logística como uma das peças essenciais para concretizar a unificação do Mercado Comum Europeu, prevista para 1992. além disso, defende sua adoção imediata pelas empresas brasileiras, de forma a acompanhar o crescente desenvolvimento dos países por ele visitados, e também “como antídoto para os erros de absorção de programas japoneses e norte-americanos, que aqui se restringiram indevidamente apenas às áreas produtivas”.

Vantine, que há três anos é convidado pela Organização dos Estados Americanos para ministrar palestras sobre “Logística e Embalagens”, estará coordenado tecnicamente, entre ontem e a próxima sexta-feira [ leia texto abaixo], um evento inédito no Brasil: a Logistech Brasil’88. Trata-se de uma conferência onde a logística será abordada em todos os seus aspectos empresariais e gerenciais.

Folha – Apartir de sua experiência considerada significativa na área, o que mudou na conceituação da logística?

Geraldo Vantine – Até bem pouco tempo, era comum que este termo fosse confundido com uma mera movimentação de materiais, o que é um erro de análise. Na verdade, ela atua sobre as áreas de suprimentos, produção e distribuição. Ou seja, o sistema logístico fornece subsídios para que o fluxo de materiais, entre esses três universos possa ser administrado de forma adequada para maximizar a produtividade global.

Folha – Alguns sistemas já vêm sendo adotados no Brasil para melhorar a produtividade de nossas indústrias. Esses sistemas não podem ser considerados como uma forma de assimilação dessa nova mentalidade?

Vantine – A indústria nacional viveu cerca de 80 anos dentro de um mesmo critério operacional, sem grandes evoluções. Há cerca de 12 anos, começamos a investir em equipamentos, já buscando uma maior produtividade. Em seguida, vieram as técnicas japonesas e norte-americanas, como o “Kanban”, “Just-in-Time” etc. Mas essa assimilação deu-se de maneira restrita. Aplicamos essas inovações apenas às áreas produtivas, deixando as outras de lado. Quando se fala de logística, subtende-se a abrangência de todo o sistema, do fornecedor ao consumidor.

Folha – Entre os países que visitou este mês, qual deles considera o mais adiantado neste campo?

Vantine – A França é um país que reúne hoje um excelente nível operacional e técnico, além de uma notável performance de custos de logística sobre o custo industrial. E acredito que isso se deva ao fato de a logística ter se originado naquele país, como um conceito militar, em meados do século passado. No início da década de 50, quando a iniciativa privada européia começou a conquistar mercados, a França despontou na frente a nível de administração de logística.

Folha – Além da informática, quais outros fatores essenciais à logística?

Vantine – sem dúvida podemos citar a qualidade. Esse ano, todos os grandes eventos de logística na Europa estão abordando a qualidade, abrangendo todo o sistema e não apenas o produto. Um outro conceito muito realçado é o “Just-in-Time”. Ao contrário do que vemos aqui, na Europa temos a sua aplicação também à distribuição, reduzindo o tempo real entre o pedido e a entrega do produto. Essa modificação é tão profunda que exigiu, dentro do sistema transporte, modificações radicais a nível de equipamentos.

Há mais ou menos um ano, a Phillips liderou um grupo de diretores de logística de algumas empresas, em conjunto com grandes fabricantes de caminhões, visando a performance do transporte rodoviário. A Europa já não é mais meramente ferroviária. E, além disso, seria preciso dominar melhor os custos de transportes. Dentro da legislação européia, eles começaram a pesquisar o máximo aproveitamento dos veículos para transporte de cargas. Foi feita uma revolução e introduziram um sistema de veículos com chassis baixos, alterando mesmo a tecnologia de pneus. Com isso, foi preciso mudar toda a engenharia dos caminhões. E as empresas investiram muito nisso.

Folha – Essa alteração foi suficiente para aumentar a carga transportada?

Vantine – Não, eles foram mais longe, modificando também o sistema de engates e aumentando a velocidade operacional. O sistema rodoviário está operando hoje como o de transporte aéreo, o que muda é a tripulação. O veículo roda 24 horas por dia, reduzindo também os estoques. É a teoria do Just-in-Time”.

Folha – Essa questão de distribuição perece ser um dos pontos mais falhos no Brasil. A saída a padronização de carrocerias?

Vantine – Na Europa, a padronização de carrocerias só é viável porque eles já ultrapassam uma outra etapa que é indispensável: a padronização dos “paletts”. Aqui, até hoje, não seguimos padrão nenhum.

Folha – Em termos organizacionais, quais seriam os principais entraves que as empresas nacionais teriam para a adoção da logística?

Vantine – O organograma de nossas indústrias assume uma forma piramidal. Dentro desta norma, podemos notar um constante divórcio entre os departamentos. Cada gerente entende que é o dono de sua área. Em resumo, poucos conseguem ter uma visão global do sistema em que operam. Na medida em que a logística propõe um intercâmbio total, deveria haver uma mudança de mentalidade e de atitude.

Volto a salientar, também, que a logística não pode existir sem a informática. Seria preciso ampliar o debate sobre o uso do software e do hardware aplicado à logística. Os equipamentos utilizados são de pequeno e médio porte e não permitem a velocidade de trabalho que o sistema exige. Precisaríamos disseminar o uso de computadores de grande porte e desenvolver software para isso.

Folha – As nossas “software houses” estariam aptas a acompanhar essa nova demanda?

Vantine – Sem dúvida que temos pessoas muito bem qualificadas para isso. Mas levaria muito tempo. Sou favorável a que façamos um acordo com países europeus, principalmente, para transferência de tecnologia. Neste ponto existe a barreira da Lei da Informática, que, no caso específico, acaba nos sendo prejudicial.

Folha – Como coordenador-técnico do primeiro evento sobre o assunto no Brasil, acredita que apenas cinco dias de conferência serão suficientes para se abordar a complexidade dos temas que giram em torno da adoção da logística?

Vantine – A Logistech Brasil’88 será uma conferência nacional, com 60 palestras, divididas em 15 temas, entre os quais o problema da informática, da qualidade etc. Tomamos o cuidado de selecionar conferencistas que estejam muito bem atualizados sobre a conceituação mais moderna do assunto, para que possamos colocar no trilho o conceito da logística. Além de evitar que noções fiquem dispersas, dando aos participantes a noção de um sistema que é vivo e integrado. Neste sentido, serão abordados programas de melhoria de produção, transporte, embalagem, movimentação e armazenagem de materiais, segundo os critérios conceitual e operacional.