A volta ao passado com tecnologia digital. Fazer o mesmo, mas rápido e mais barato. A competição de guerrilha pela sobrevivência no mercado.
A identidade “4.0”, me fez refletir o livro “40 tons de cinza” não pelo conteúdo, mas pela reverberação exponencial e global, no que se assemelham. Não sou adepto de conceitos que se multiplicam em um “efeito manada”, quanto maior a divulgação, maior a dispersão do fundamento original. Revistas, artigos e publicações de toda ordem se multiplicam em torno do tema, que, na maioria, distorce ou modifica os fatos concretos.
JG Vantine Engenheiro industrial, com vários cursos de especialização em Logística pela The Ohio State University e University of North Florida, nos Estados Unidos, iniciou a carreira na General Motors do Brasil, em 1972. Presidente da Vantine Consulting, criada em 1986, é autor do livro “Nos caminhos da logística”, coautor do livro “Administração estratégica da logística”, mentor e presidente da Associação Brasileira de Logística, e criador do PBR e do Veículo Urbano de Carga (VUC). vantine@vantine.com.br
INVENÇÕES, INOVAÇÕES E REVOLUÇÕES
É preciso sempre ter em mente que a inteligência (exclusiva do ser humano) é um processo de evolução contínua e geometricamente exponencial. Uma viagem ao passado mostra que a curiosidade virou ciência por volta do século 12, milhares de anos depois que o homus erectus dominou o fogo e mudou os seus hábitos alimentares (talvez aí tenha sido a disruptura pré-histórica). De verdade, a primeira invenção que separou o “homem do macaco” (afirmação livre minha) foi a roda, que permitiu acelerar a expansão territorial, dando início aos povos que, mais tarde, tornariam os países.
Quantas invenções já ocorreram e que, de fato, mudaram o rumo da humanidade? Muito mais de que a tal 1.0 (do vapor), dada como partida para chegar na revolução 4.0.
O que, de fato, é mais importante as invenções ou as suas consequências? Caso do vapor que mudou a forma de produzir e transportar ou a energia elétrica (dada como 2.0), que mudou o hábito da alimentação, com a inovação das geladeiras elétricas, ou o ancestral telégrafo sem fio, que revolucionou a comunicação. Assim, toda revolução da humanidade é resultado da inovação produzida pelas invenções.
FUNDAMENTOS VERSUS INTERPRETAÇÕES
Historicamente, a ciência é oriunda das pesquisas acadêmicas. Isso ocorre desde a idade média, na Europa, (vale lembrar que os habitantes das américas eram indígenas e a distância dos territórios asiáticos não permitiam a troca com as ciências milenares dos chineses e japoneses).
Com a evolução industrial, a pesquisa e o desenvolvimento também passaram a ser missões das diferentes indústrias, que, no século 20, colocou a humanidade na plenitude do prazer (comer alimentos novos, viajar mais rápido e com conforto dos aviões), da saúde (amenizar seus males com medicamentos modernos) e do convívio social, até chegar à aldeia global padronizada com “usos e costumes”, disseminados pela televisão a cabo, graças ao genial (percebem que, de tempos em tempos, surge um gênio que muda o mundo?) Steve Jobs, que teve a ousadia de cruzar a tecnologia do celular com a da internet, nascendo o filho “smartphone = iPhone”. A última inovação de verdade.
Ocorre que, em paralelo com as ciências acadêmicas, também surgiram inovações, especialmente, na gestão e administração, surgindo, de fato, a logística empresarial, em 1986 (não é tão nova como muitos pregam e nem tão simples como muitos falam).
Fundamento da logística: Logística é parte integrante do gerenciamento da cadeia de suprimentos (Supply Chain Management), que planeja, implementa e controla, de forma efetiva e eficiente, todo fluxo avante e reverso, bem como a armazenagem de bens (matéria-prima, insumos, material em processo e produtos acabados), serviços e informações relacionados, desde os pontos de origem aos de consumo, para atender aos requerimentos dos clientes (www.cscmp.org)
É importante entender esse fundamento, para poder falar em Logística 4.0. Somente na virada da década de 90, do século 20, foi introduzido no meio empresarial (e também nascido no ambiente acadêmico) o modelo de Supply Chain Management, que muitos teimam em reduzir ao substantivo a Supply Chain, confundindo a cadeia logística com a cadeia de suprimentos (por favor, a Supply Chain é um equívoco total).
Fundamentos do SCM: Supply Chain Management (SCM) engloba o planejamento e o gerenciamento de todas as atividades envolvidas em suprimentos, compras, produção e logística. Também abrange a integração colaborativa com todos os parceiros comerciais dos canais, incluindo os fornecedores, intermediários, operadores logísticos e clientes. SCM é uma função de integração dos processos de negócios dentro de uma organização, que também compreende as atividades de marketing, vendas, finanças e tecnologia da informação (www.cscmp.org).
INOVAÇÕES 4.0 E SEUS IMPACTOS EM LOGÍSTICA E SCM
Em 2011, quando o Governo Alemão quis tratar as mudanças tecnológicas resultantes da revolução digital, causando alto grau disruptivo, chamado de Indústria 4.0, teve como mensagem que a humanidade estava saindo da Era da automação para a era da integração, por meio da conectividade e da mobilidade.
As principais consequências das invenções trarão, cada vez mais, aplicações concretas (cuidado com o efeito manada de milhões de startups, criando soluções para problemas que não existem) em todas as áreas de negócios (gestão), desenvolvimentos de produtos (vejam a nova aeronave da Embraer 195 E2) e medicina diagnóstica. Enfim, em todas as áreas e atividades relacionadas à humanidade.
Como já é notório, pelo menos até esse momento, a velocidade da evolução na tecnologia digital é muito maior do que foi a da automação industrial, bancária e comercial.
No smart world, a evolução é “vapt-vupt”. Ainda nesse contexto, é preciso ficar atento que, do “efeito manada”, surgem milhares de “remédios milagrosos”, com o que pode ser chamado de “efeito abutre” (aquele que oferece soluções copiadas com preços aviltados, para vender aos incautos). Entre tantas tecnologias de base digital, as que possuem alto potencial de aplicabilidade na logística e SCM são as da Figura 1.
Não são mencionados os drones e os veículos autônomos para a aplicação em operações logísticas, porque são tecnologias ainda embrionárias e que requerem muitas alterações nas legislações de tráfego e trânsito. Tudo o que se fala, até o momento, é fruto de experimentação ou de jogadas de marketing.
Superadas as restrições operacionais e legais, certamente, ocuparão espaços nas soluções competitivas. Tecnologia e inteligência para isso já é domínio, por exemplo, da indústria aeronáutica (veículo aéreo não tripulado) e espacial (voos solitários de astronaves depois de bilhões de quilômetros e dezenas de anos, que conseguem pousar em um asteroide de tamanho de um campo de futebol).
IMPACTOS E APLICABILIDADES
Certamente, as novas soluções estão focadas na mobilidade, conectividade e confiabilidade das informações, em tempo real, em cada um dos três sistemas da logística e SCM. Em um ótimo artigo de autoria de Márcio da Cunha Rossi, na edição nº 58 da Revista MundoLogística, ele conta que o seu professor profetizou, nos anos 90, que não haveria mais o que se inventar e tudo o que viria seria para diminuir o tamanho e o custo, e aumentar a capacidade do que já foi inventado (avião, foguete, telefone, televisão, computador, celular etc). De certa forma, esse professor tinha razão. Senão, veja a seguir.
FLUXO DE INFORMAÇÕES:
• Demand preview;
• Materials forescasting;
• Production planning and control;
• Distribution planning and control; •
Transportation management;
• Warehouse management;
• Customer relationship management.
DIAGRAMA: LOGÍSTICA INTEGRADA O diagrama da Figura 2 ilustra os fluxos logísticos.
DIAGRAMA: SCM
Para a gestão integrada da cadeia de suprimento, veja a Figura 3.
ENTÃO, O QUE MUDA?
Parafraseando a ideia original de Indústria 4.0, a Logística 4.0 é a referência da aplicação de todas as inovações da tecnologia digital nos processos de gestão e operação: make it fast and cheap. Quando se observa a absoluta predominância e proliferação dos apps, pressupõe-se a mobilidade. Está se referindo ao instrumento smartphone e seus parentes próximos. Por consequência, apostando as fichas na internet, o que potencializa a Internet das Coisas (IoT).
As soluções com base na internet não se aplicam a todas as atividades. Veja a Figura 4
O MERCADO FALA E O USUÁRIO SE TRANSFORMA
É do conhecimento de todos que a logística saiu da zona de apoio para a de protagonista, na gestão empresarial de qualquer natureza, em todas as cadeias produtivas, e até extrapolou (erradamente) a sua missão, quando foi colocada na infraestrutura e em tantas outras áreas, das quais não tem nenhuma afinidade.
ARMAZENAGEM
Sobre os tradicionais Warehouse Management System (WMS), plataforma com dezenas de algoritmos, que permitem a extração de dados de forma como cada empresa necessita, é perigoso criar excesso de indicadores e é uma oportunidade criar o I-WMS, com a consolidação de informações a serem usadas de forma integrada para todas as atividades de SCM.
TRANSPORTE
De origem, há a solução Transportation Management System (TMS) e roteirizadores, trabalhando de forma independente. O Global Positioning System (GPS) e o smartphone mudam tudo:
• Tracking & tracing em tempo real;
• Monitoramento completo do veículo, motorista e carga;
• Roteirização dinâmica, em função do tráfego (modelo Waze Cargo);
• Planejamento e controle de entrega com hora marcada;
• Composição de entrega em tempo real e integrada aos processos de gestão de estoques, pedidos e contas a receber;
Integração do picking (formação de pedido) por rota de entrega, doca de carregamento e roteiro do veículo, diretamente no mobile do motorista;
• Parametrização de todas as variáveis envolvidas no transporte;
• Monitoramento e parametrização do veículo em tempo real, interagindo com sistemas de gestão de frotas.
É importante registrar que, na Logística 4.0, tudo acontece em tempo real e integrando todos os processos que se deseja (no caso do varejo, até mesmo, stock out no Ponto de Venda (PDV)), com visual claro e objetivo nos diferentes dashboards.
DRONE
Por mais que se fale e se escreva sobre a utilização dos drones para a execução de entregas, ou mesmo, elaboração de inventário, é ainda uma solução incipiente, que até pode resultar em solução viável. No entanto:
1. Muito difícil a regulamentação e a legislação para o uso urbano. Pode ser viável para as áreas restritas, mas não vejo a viabilidade financeira. Quando se refere ao teste piloto, tudo bem, mas à entrega massiva, extrapola a capacidade operacional;
2. Algumas aplicações já estão viabilizadas, como o cálculo de estoque de “montes” de sucata e minério, o controle de movimentação em pátios de contêineres, o controle de estoque de pátios de manutenção etc.
DROPBOX
Não chega a ser novidade, pois é muito usado em várias operações. Pode ser instalado com módulo de inteligência, por exemplo, com GPS programável acoplado. O usuário informa os dados da sua mercadoria a ser coletada ou retirada e, via internet, a informação é enviada para a transportadora e alimenta o roteirizador dinâmico. Porém, há muitas questões que ainda não têm solução e as principais são a segurança e o custo. Tem boa possibilidade para a aplicação em polígonos geográficos determinados.
VEÍCULOS AUTÔNOMOS
Como “veículo” é um termo genérico e abrangente, que denomina qualquer meio de transporte, motorizado ou não, e como a expressão “veículos autônomos” atingiu o ápice midiático, serão analisados apenas os caminhões e os equipamentos de movimentação de matérias. Não existe veículo totalmente autônomo, nem mesmo os artefatos espaciais da Nasa, que não prescindem de comandos dos cientistas.
• Caminhão autônomo: É natural que os fabricantes dos veículos e os grandes usuários (não por acaso americanos) se unam às tecnologias digitais para (até o momento) ser mais uma peça de ficção mercadológica. Claro que a tecnologia para isso já existe, mas precisa? Como as leis de trânsito dos países serão modificadas? Quais benefícios reais trarão esses veículos?
• Veículos industriais: Já existem transelevadores automatizados, Automated Guided Vehicle (AGV) e, mais recentemente, os robôs programados (já viralizou na internet os filmes de centros de distribuição (CDs) da Amazon e do Alibaba). Não resta dúvida de que esse mercado está em expansão e tem tudo para “emplacar” nos próximos anos. Como comentado anteriormente, já é até possível, com a IoT, a compra via smartphone na loja virtual, que, sem intervenção, envia o pedido para o robô do CD, que faz o picking, prepara o pedido e já conecta com o smartphone do motorista para fazer a entrega. Porém, há uma boa distância entre a disponibilidade dessa tecnologia e a viabilidade técnica e financeira.
APPS PARA LINK DA CARGA COM O CAMINHONEIRO
Muito se fala em inovação disruptiva, embora muitas não sejam. É o caso dos aplicativos para transportes. O Uber, aclamado mundialmente como a grande mudança na forma de usar a condução de forma rápida e barata, não deixa de ser uma evolução do anterior rádio táxi, no qual a diferença está entre a forma de comunicação (de rádio PX para a internet) e a localização (de voz via rádio para google maps/waze). A diferença é que aqui é onde se pode chamar de 4.0, porque essa plataforma alia a tecnologia digital ao princípio da mobilidade. A inteligência da plataforma faz a diferença, porque a internet e o mapa digital foram duas invenções disruptivas, que permitem inúmeras combinações para múltiplas aplicações, como o caso do brasileiro Truckpad, plataforma semelhante à do Uber, para o uso em transportes de cargas, que só não ficou mundialmente famoso porque é difícil enfrentar o poder marqueteiro dos americanos.
Está na hora desses provedores de plataformas apresentarem a nova onda de inovação com o foco no embarcador e não no intermediário, criando novos formatos de dashboards e, até mesmo, a consolidação de uma Torre de Controle de Transportes
Na verdade, a plataforma Truckpad se inspirou no tradicional formato de agenciamento de carga, substituindo o lugar físico de encontro entre os caminhoneiros pelo smartphone, e o agenciador pela ferramenta de interação. Tanto o Uber para passageiros, quanto o Truckpad para cargas, os pioneiros, trazem uma nova perspectiva para as novas iniciativas, e no caso da logística, que é o foco, bastando que as empresas criadoras e detentoras das plataformas estudem mais em detalhes (ou contratem o apoio de consultorias especializadas) do mundo do transporte, facilitando a gestão de fretes, com o foco corporativo, porque esses grandes usuários estão próximos de uma “asfixia tecnológica”, devido à convivência de diferentes soluções, muitas vezes, não integradas, o que gera custos e dificuldades de gestão.
Está na hora desses provedores de plataformas apresentarem a nova onda de inovação com o foco no embarcador e não no intermediário, criando novos formatos de dashboards e, até mesmo, a consolidação de uma Torre de Controle de Transportes. Isso não é tendência, mas oportunidade oriunda da necessidade do mercado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Essa análise autoral pretende oferecer questões para a análise e o debate de cenários, procurando não opinar nem a favor ou contra, porque sou adepto fervoroso da inovação e da evolução, mas, como “vício” da profissão de consultor por 35 anos, tenho a cautela da ponderação entre o fato e a hipótese, e entre a ideia e a viabilidade.
Para encerrar, dois motivos que “darão o que falar” (outubro/2017):
• Dentro do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações do Governo do Brasil, existe a Secretaria de Política de Informática. Nela, está em fase de elaboração o Plano Nacional de Internet das Coisas. Em apoio ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Fundo de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) apoiará startups focadas em soluções IoT para o setor rural de agronegócio.
• Essa é preocupante: Editorial publicado pelo “The Economist”, com o título “O que significa ser dono de uma coisa” (www.economist.com), no qual ilustra que a propriedade não é de quem tem o bem, mas de quem tem a informação:
1. Durante o furacão Irma, na Flórida, em setembro de 2017, a famosa TESLA, remotamente, fez um upgrade no software de controle de consumo de baterias de todos os carros, sem que os proprietários tomassem conhecimento. Nesse caso, foi para aumentar a autonomia e permitir a “fuga” diante do perigo. Porém, os donos dos carros não têm controle sobre o sistema a bordo
2. Menciona-se que os tratores da John Deere só podem ser operados com os softwares autorizados e são monitorados via internet, e a manutenção das máquinas só pode ser realizada nas autorizadas definidas pela empresa. Ou seja, o agricultor é dono do trator, mas não da operação.
3. Foi descoberto que um fabricante de aspirador de pó robótico, da marca iRobot, criava mapa digital do interior das residências para, depois, vender essas informações para os fornecedores de móveis e decoração.
Conclusão, o mundo novo é digital, desconhecido, estimulante e preocupante. Peter Diamandis, cofundador da Singularity University, aparece criando o “otimismo exponencial”. Aí é onde mora o perigo ou a oportunidade.
Revista Mundo Logística – Ano X – n°61 – novembro/dezembro 2017]