Começo minha resenha criando um neologismo não técnico com o termo “INFRALOGÍSTICA” para tratar da região mais complexa e plural do Brasil: NORTE, composto pelos estados tão díspares que vai do Acre ao Amapá, do Tocantins a Roraima, passando por Rondônia e emendando os dois maiores estados do país – Amazonas e Pará. Com cerca de 3,9 milhões de Km² e enorme diversidade de apenas 18,5 milhões de habitantes, na região norte temos a linha do equador que cruza a capital Macapá (além do Amazonas, Roraima e Pará), e por isso uma parte está no hemisfério norte e outra no hemisfério sul. Ao adicionar o estado do Mato Grosso e do Maranhão temos a chamada “Amazonia Legal” (criada pelo Governo Federal em 1953, com foco no desenvolvimento regional) com de 5,2 milhões de km² equivalente a 60% do território nacional, com apenas 12% da população brasileira. Essa região concentra a maior diversidade do bioma global. A Amazonia Legal é dividida em duas partes: Amazonia Ocidental (Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima) e Amazonia Oriental (Pará, Maranhão, Amapá, Tocantins e Mato Grosso).
Para finalizar a análise situacional do cenário geográfico / político da região Norte e da Amazonia Legal, acrescento a Zona Franca de Manaus, criada em 1967 com objetivo de ocupação do território amazonense com a criação da “área de livre comércio” e “incentivos fiscais”, que criou o Polo Industrial de Manaus (em 1968 os benefícios foram ampliados para os estados do Acre, Rondônia, Roraima, além do Amazonas, e incluindo as cidades do Macapá e Santana no Amapá. Portanto, ignorar essa realidade ou querer mudá-la é no mínimo ignorância de neófitos e acadêmicos. Afirmo isso com base na minha experiencia em muitos estudos e projetos nos últimos 25 anos que conduzi para a SUFRAMA, Governo do Estado do Amazonas e CIEAM-Centro da Industria do Estado do Amazonas. Embarquei em comboio de balsas (rota Belém-Manaus), sobrevoei o rio Amazonas de Belém até Santarém, passando pelo estreito de Óbidos em direção à Mineração Rio do Norte no afluente rio Trombetas. Isso para entender as operações fluviais para elaborar e implantar projeto “Ro-Ro” para abastecimento de Porto Trombetas no município de Oriximiná-PA, onde vivem mais de 8 mil pessoas (extração do minério de alumínio – bauxita).
Depois fechei o foco no PIM- Polo Industrial de Manaus e no CIEAM criei o LOGAM – Comitê de Logistica do Amazonas, com a participação de 30 a 40 empresas porque delas deveriam nascer as demandas e soluções para uma realidade da natureza onde “estradas são rios”. Rios navegáveis que não são hidrovias. Assim, para quem depende por exemplo do rio Amazonas e do rio Madeira, há muito tempo já deveria ter solução para as operações regulares tanto nas cheias como nas vazantes. Não existe o fator surpresa.
Um dos estudos que fizemos por solicitação da SUFRAMA foi o que denominamos “Corredor de Contêiner Santana -Manaus” pelo qual, (a exemplo de Manzanillo, Transhipment Port no canal do Panamá lado Atlântico), os navios oriundos do hemisfério norte (Ásia, EUA e EUR) fariam o transbordo em terminais privados em Santana/AC e dali seguindo em comboios de balsas até Manaus. E os navios cada vez maiores seguindo sua rota oceânica para o nordeste, sudeste e sul. Engavetado! Aí percebi a discrepância entre prazo de governo e prazo de projeto.
Embora façam parte da mesma macrorregião, aprendi que cada estado é um ecossistema específico com solução de “Infralogística” adequada à cada realidade. No entanto, tendo o Polo Industrial de Manaus como eixo da produção industrial, desenvolvemos alguns dos seguintes estudos ou projetos contemplando integração entre eles.
- Saída para o Caribe: Utilização da BR-174/432 de Manaus a Boa Vista e daí para Georgetown (Guiana) que se mostrou inviável, mas essa rota tinha uma variante de Boa Vista até Santa Elena (Venezuela) podendo seguir até Colômbia. Esse tramo foi muito utilizado pela Transportadora Michelon transportando insumo para a Coca-Cola Company da fábrica de Manaus;
- Saída para o Pacífico: Desenvolvido em conjunto com a Secretaria do Planejamento do AM, o estudo foi baseado na integração do rio Solimões, que após a fronteira com o Peru, chama-se Marañon, hidroviário até Iquitos (Peru) e daí rodoviário até o porto de Paita (700 km de estrada a ser construída). Zero viabilidade econômica com elevado investimento e muito baixa demanda para o fim a que se propunha que era a ligação com a Ásia sem usar o canal do Panamá, nem o sul da America do Sul ou o sul da África;
- Ligação Manaus – Porto Velho via rodoviária pela BR-319: Afora os clássicos problemas ambientais (que a engenharia moderna sabe como resolver) os estudos “Origem-Destino” como “Infralogística” não se justificaram, prevalecendo o rio Madeira com balizamento e batimetria – atualmente em fase final de concessão, o que é muito bom. Assim, a BR-319 se faz necessária para a ligação terrestre Manaus – Porto Velho – Cuiabá pela tradicional rota da BR-364. Projeto pendente para decisão do Governo Federal;
- Ligação rodo-fluvial via Santarém: Estudos mostraram redução de 3 dias em comparação via Belém para São Paulo. Não aprovamos o projeto pois a rota rodoviária a partir de Santarém usando a BR-163/BR-364 não apresentava condições de tráfego seguro. É uma boa solução para ligar o Polo Industrial de Manaus com o Sudeste, mas Infralogística deficiente não viabiliza (ressalto aqui que o escoamento de grãos até Miritituba/ tem ocorrido com alto volume e com futuro incerto poderá existir a Ferrogrão;
- EIZOF – Entreposto Internacional da Zona Franca de Manaus: Concebemos como conceito de Central de Trânsito com 3 diferentes operações: a) Entrepostagem de insumos importados; b) Armazenagem de matéria prima e insumos para PIM de origem Brasil com suspensão do ICMS até “importação” e c) Armazenagem de produtos acabados da ZFM para consumo Brasil e Exportação. Foi transformado em lei e instalado no Porto Público. A SUFRAMA responsável pela operação, vendo o potencial de crescimento, solicitou projeto para utilização da SIDERAMA (antiga siderúrgica) numa região estratégica tangente ao rio Amazonas, conhecida como Porto da Ceasa onde a BR-319 para às margens do rio em frente do “encontro das águas do rio Negro com rio Solimões, para ser um mega entreposto similar ao existente em Miami. Com mudança de governo o projeto foi engavetado;
- CLAD – Centro Logístico / Abastecimento e Distribuição: Um projeto que incluiu a instalação de um entreposto da Zona Franca (produtos de todos os estados a ela pertencente) dentro do Porto Everglades / Flórida; criação de voo direto, três vezes por semana – Manaus / Fort Lauderdale / Manaus, e criação da rota marítima Manaus / Porto Everglades, “píer to píer”, sem escala, incluindo integração ferroviária dos portos da Costa Leste (LA) com alternativa multimodal (aéreo-ferroviário-marítimo). O projeto foi completamente estruturado, incluindo a busca de companhias aéreas e armadores. Houve interesse grande da VarigLog e de um NVOCC de Miami. Novamente mudança de governo e da Superintendência da SUFRAMA, e como esperado, infelizmente foi para a gaveta;
- LOGÍSTICA INTEGRADA: Projeto exclusivamente dedicado às empresas com apoio do CIEAM e foco no modelo compartilhado de contratação de transporte “dor to dor”, gerenciamento de risco integrado e plataforma de gestão que chamei de “SISLOG”. Fizemos ampla pesquisa “O/D”, inúmeras reuniões com as empresas chegando até o ponto de lançar no mercado uma concorrência para contratação de Operador Logístico. Tal qual as mudanças de governo alteram os planos e projetos, o mesmo ocorreu com esse projeto. Em decorrência de mudanças de alguns executivos (diretores locais), e má compreensão do sistema, houve esvaziamento e cada empresa continuou “tocando a vida” de forma independente. Importante destacar que durante os estudos desse projeto chegamos a repensar no sistema “Rodo-Aéreo” muito utilizado principalmente pelo Grupo GPT-Tecnocargo com frota própria de aviões cargueiros com sua companhia BETA CARGO, e muitas vezes também utilizando aeronaves da SKYMASTER. Usamos duas rotas: Manaus-Cuiabá (aéreo) / Cuiabá-SP (rodo) e Manaus-Brasília (aéreo) / Brasília-SP (rodo). Esse modelo só funciona com fretamento de aeronaves ou mesmo de companhias dedicadas a cargas como a Modern Logistics. Mas aí é assunto de mercado.
Reflexão final: Minha geração viveu acreditando no slogan “Brasil, país do futuro”. O futuro chegou e os problemas de gestão oficial só cresceram, em especial na Infraestrutura de Transporte que foi transformada em Logística (daí o neologismo “Infralogística”. Por quê? Ora, cada estado tem seu governador, seus deputados federais, seus senadores, e cada município tem seu prefeito e seus vereadores. Então por que os projetos não evoluem? Por que não saem do papel? Mais do que intrigante para minha experiencia na região (mais de 25 anos), a causa maior está no “longo prazo de maturação dos projetos de “Infralogística” que não resistem aos mandatos eletivos de presidentes e governadores. E na sucessão, tudo muda. São projetos de governo e não projetos de Estado, o que aliás acontece também em outras regiões do Brasil. Há atualmente um grande alento para mudar essa realidade, através do exaustivo e producente trabalho desenvolvido pelo Fórum Brasil Export e seus Conselhos.
Importante registrar que na estrutura privada, temos ótimos exemplos de soluções operacionais na região: No fluvial – Bertolini e a Linave no rio Amazonas, e a AMaggi no rio Madeira com o projeto de transbordo de grãos em Itacoatiara. Nas atividades portuárias, enquanto o Porto Público bem no centro de Manaus não é mais utilizado para cargas, temos os portos Superterminais e o Chibatão com ótimas soluções de operação fluvial flutuante.
Afinal, do auge do ciclo da borracha ao status atual, com foco apenas em “Infralogística” (afora os complexos problemas ambientais e indígenas), se eu tivesse poder, reduziria 5 ministérios atuais de pouca expressão e criaria o “Ministério da Amazonia Legal” com foco na convergência de projetos e ações integradas para o desenvolvimento da “Infralogística”. Hidrovias, portos, rodovias, aeroportos regionais, bem como, diretrizes de gestão e operação logística resultando num “Plano Estratégico de Estado para Infralogística da Amazonia Legal.
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