Meus primeiros 12 anos de profissão foram na cultura americana e focados na logística industrial. Depois, explorei países da Europa e o Japão e, como protagonista dessa história no Brasil, assisti às evoluções conceituais e ao rápido crescimento da logística como diferencial competitivo no sucesso das empresas. No entanto, nos últimos anos, percebo que o nível de conhecimento dos novos profissionais está inversamente proporcional ao que o mercado vem exigindo. Esse artigo tem como objetivo resgatar o entendimento e provocar o desejo do leitor para o estudo, porque “entre a teoria e a prática, devemos ficar com as duas”.
José Geraldo Vantine Engenheiro de Produção, foi superintendente de Logística Industrial na General Motors do Brasil e criou a Vantine Consulting, em 1986, com mais de 800 projetos, em mais de 320 empresas no Brasil e exterior. Mentor, fundador e primeiro presidente da Associação Brasileira de Logística (Aslog), foi o criador do palete PBR e do sistema de palete pool. Mentor e principal responsável pela criação do Veículo Urbano de Carga (VUC), é autor de centenas de artigos e do livro “Nos caminhos da logística”. Na edição em português, é coautor do livro “Administração estratégica da logística”, com James Stock e Douglas Lambert.
INÍCIO & HISTÓRIA
A história é essencial para explicar e entender o surgimento e a evolução do homem e suas ações no tempo e no espaço. Com a logística, não poderia ser diferente. Para entendê-la, hoje, e evitar interpretações esdrúxulas, é preciso ver como surgiu e por que evoluiu. Em se tratando de história, dependendo da rastreabilidade dos fatos, surgem diferentes interpretações. Porém, o que há de comum é que a atual palavra “logística” teve sua origem no grego, há mais de 2.000 anos a.C., com significado em “razão, nacionalidade”. Com a expansão do Império Romano, o latim incorporou o termo logistics (isso por volta de 800 anos a.C.). Longo tempo se passou e a expansão do domínio romano interferiu, drasticamente, nas culturas por onde passou. Assim aconteceu na França, onde nasceu o verbo “loger”, com signif cado de “alojar”. Daí para o surgimento do substantivo feminino logística foi um passo: em francês logistique. Durante o período do Império de Napoleão, credita-se a um de seus generais, barão Antoine Jomini, a criação do conceito definitivo da logística como essencial para manter a expansão do império com as conquistas de Napoleão (livro “Sumário da arte da guerra”, 1836), o qual coloca as quatro atividades que levavam à vitória: estratégia, tática, engenharia e logística.
Portanto, a logística nasceu como elemento da arte militar.
A TRANSIÇÃO: MILITAR/EMPRESARIAL
Paralelo ao pleno ambiente bélico na Europa, no período a partir de 1860, considerou-se o início da Revolução Industrial. Houve grandes revoluções na história da humanidade: petróleo e derivados, motor a combustão, locomotivas a vapor, fabricação do aço, energia elétrica. O mundo começou a mudar. E a Logística? Só a militar?
Eis que, em 1939, iniciou-se a Segunda Guerra Mundial, que terminou em 1945. Os palcos dos combates foram a Europa e o Japão, principalmente. Enquanto isso, os Estados Unidos conservaram o seu território intocado (indústrias, universidades, monumentos e cidades). Essa guerra exigiu forte desenvolvimento da tecnologia, nesse ambiente de “guerra globalizada”, com tropas espalhadas, frotas de navios e aviões em aumento crescente. O que aconteceu? Os americanos entraram na história da logística e os militares, naquele período, juntaram-se aos acadêmicos, que, usando da matemática, criaram Modelos de Otimização no Abastecimento das Tropas (alimentos, uniformes, armas, veículos, combustível, munição etc). A logística virou ciência. Porém, ainda restrita ao ambiente militar.
A guerra terminou. A Europa e o Japão ficaram destruídos e os Estados Unidos intactos e usufruindo de todas as ciências e técnicas desenvolvidas durante a guerra. A logística começou a sair dos quartéis e entrar nas indústrias. No início, a aplicação era apenas nas atividades de manufatura.
Entretanto, ao se aproximar dos famosos “Anos Dourados”, por volta de 1950, começou a transição.
MARKETING & DISTRIBUIÇÃO
O início dos “Anos Dourados” foi marcado por muitos fatos importantes. No nosso caso, houve a rápida expansão industrial americana (ainda no conceito Production Oriented Company), ao mesmo tempo em que o varejo crescia de forma astronômica. Conclusão, o marketing virou ciência, tendo em Peter Drucker (“A prática da administração”, 1954) o maior responsável por colocá-lo como “força poderosa” para os negócios.
Aconteceu a expansão territorial, o crescimento nervoso de produtos de consumo industrializados (além do aumento da diversidade de itens), o surgimento das grandes redes de supermercados, entre outros. Conclusão? Problemas de distribuição. Nessa fase, as empresas passaram para o conceito Marketing Driven Company. Caminhavam para o caos quando, em 1960, Theodore Levitt escreveu o artigo na Harvard Business Review, “Miopia em marketing”. Em 1967, Philip Kotler escreveu a maior obra do marketing moderno, “Administração de Marketing”.
Surgiram inúmeros conceitos, mas o que os remetem agora são as iniciais 4P do marketing: product, price, promotion e place, sendo o cordão umbilical da logística empresarial. Naquele cenário dos anos 1970, os responsáveis pelo marketing buscaram a universidade (outra vez) para desenvolverem modelos de otimização para a entrega dos produtos (Lembram o mesmo durante a Segunda Guerra Mundial?). Assim, o “P” de place deu origem à distribuição física (logo, sendo criado o National Physical Distribution Association (NPDA)), caminhando, do outro lado, as atividades da logística industrial.
Portanto, as grandes empresas passaram a conviver com o dilema, mostrado na Figura 1
NASCE A LOGÍSTICA INTEGRADA
Empresas e universidades logo entenderam que “o negócio não daria certo” e que a gestão de matéria-prima, produção e distribuição deveria ser unificada. A consequência foi que a NPDA se transformou no Council of Logistics Management (CLM), hoje, Council of Supply Chain Management Profissionals (CSCMP) e, em 1986, foi lançada a primeira definição de logística.
“… processo de planejamento, implementação e controle de eficiência e do custo efetivo relacionado ao fluxo de armazenagem de matéria-prima, material em processo e produto acabado, bem como do fluxo de informações, do ponto de origem ao ponto de consumo, com o objetivo de atender às exigências dos clientes.”
Assim sendo, pode ser ilustrado esse conceito com o diagrama na Figura 2. Dois anos depois, o CLM adicionou competências para a logística, como podem ser observadas na nova definição de 1998.
“… é parte integrante do processo da cadeia de abastecimento, que planeja, implementa e controla, de forma eficaz e eficiente, o fluxo e o armazenamento de bens, serviços e informação relacionada, desde o ponto de origem ao ponto de consumo, de modo a atender aos requisitos dos clientes.”
Já se aproximando dos anos 1990 (e ninguém imaginava a explosão da tecnologia da informação e da internet), a gestão das empresas continuou em conflito, porque os departamentos funcionavam como compartimentos estranhos e a relação entre marketing e logística estava cada vez mais complexa e conflitante.
Na evolução, o CLM mudou novamente de foco e passou a ser denominado Council of Supply Chain Management Profissionals (CSCMP). Ou seja, nós, da origem da logística, estávamos (e continuamos) buscando o novo modelo de gestão da agora denominada “cadeia de valor”, por meio da Gestão Integrada da Cadeia de Abastecimento – Supply Chain Management, e as empresas estavam em busca do modelo Value Added Driven Company.
CONCLUSÕES OU EVOLUÇÕES?
Quando denominei esse artigo de “Logística ilimitada”, quis dizer que não existe fim, que tudo está em evolução constante. A única conclusão que tenho é que marketing/vendas & logística continuam não se entendendo e que toda e qualquer solução que se pretenda precisa passar por profunda evolução nos elementos intervenientes e interdependentes.
Nenhum assunto da logística deve ser concluído, porque a dinâmica empresarial está sempre em constante evolução. Porém, há aí um drama que as nossas escolas ainda não conseguiram equacionar. A luta por mercado tanto local, quanto global conduziu as áreas de marketing à multiplicação de volumes e hipermultiplicação de produtos Stock Keeping Unit (SKUs), esquecendo-se que há um limite, que é a equação que relaciona demanda, mercado, vendas e logística.
Foi introduzida outra variável que o profissional de marketing ainda busca determinar, que é o perfil do novo consumidor, não mais da cultura baby boomers, mas da Y generation.
Nesse ponto, volto um pouco no tempo para citar o criador do conceito business reengineering, Michael Hammer, no início dos anos 90, que sintetizou um pensamento vivo até hoje: o drama das empresas é que “estão projetando negócios no século 20, com base no conhecimento do século 19, para atuarem no século 21”. Isso é fato, que, aliás, foi ampliado com a larga introdução dos sistemas integrados de gestão.
Na mesma época de Hammer, na Inglaterra, o grande autor da Cranfi eld University (Inglaterra), Martin Christopher, também já pregava a quebra dos paradigmas da gestão da cadeia de valor, por meio de novas orientações dos processos, nas quais se originou a visão da integração intercompany e cross-process, gerando o modelo denominado Supply Chain Management (SCM). Não confundam modelos de gestão (SCM) com ferramentas ou métodos de apoio à decisão ou à operação (Six Sigma, Lean, Teoria das Restrições (ToC), Collaborative Planning, Forecasting and Replenishment (CPFR), Effi cient Consumer Response (ECR) etc).
É necessária uma forte reflexão por parte do leitor, porque empresas e profissionais estão deturpando os modelos originais de SCM, ora confundindo com logística, ora criando adaptações completamente equivocadas. Por isso, convém verificar o conceito nido abaixo:
“Supply Chain Management é um conceito que reorganiza e integra os tradicionais processos de uma empresa, com ampla visibilidade horizontal dos fornecedores aos clientes, para criar valor adicionado aos consumidores”. Logística é parte integrante da organização de SCM.
Portanto, a cada conclusão, devemos ficar atentos a novas evoluções. A evolução, muitas vezes, não é planejada, ela acontece (isso é mais evidente nas empresas nascidas no ambiente tecnológico: Apple, Facebook, WhatsApp, Google etc). Quem vive sem essas empresas? Quem sabe o que essas empresas farão nos próximos seis meses?
Nesse ambiente multidisciplinar, logística & marketing precisam agregar as ciências comuns as duas, para encontrar a solução da equação, que é o ponto de equilíbrio que permite aumentar o grau de certeza do planejamento da demanda, ainda na casa dos 70% (e deveria ser no mínimo 95%), reduzir o working capital ou o nível de estoque na casa dos 10% das vendas brutas anuais e, consequentemente, a redução do custo total de logística, atualmente da ordem de 5% (isso mesmo) sobre o valor de vendas dos produtos de consumo.
Uma referência adicional, que merece atenção dos profissionais, é a adição das técnicas de logística internacional, derivadas do Comércio Exterior (Comex) e pouco conhecidas pelos que atuam apenas no mercado interno. Essa fusão de técnicas traz, em seu bojo, a necessidade do conhecimento do que já se consagrou como infraestrutura logística, que envolve o conhecimento sobre operações portuárias, transporte intermodal (especialmente ferroviário e hidroviário), legislação e, claro, políticas tributárias e fiscais.
Conclusão “temporária” para a logística ilimitada: a hora é agora para essa profunda releitura na gestão por processos. “Entre a teoria e a prática, fi que com as duas”. Para alertar, “nessa Era de mudanças dramáticas, os que têm sede de aprender herdarão o futuro, os que acreditam que já sabem tudo descobrirão que estão preparados para viver em um mundo que já não existe mais” (Eric Hoffer).
Minha sugestão de leitura mínima para as áreas de conhecimento.
• Peter Drucker – Administração;
• Philip Kotler – Marketing;
Douglas Lambert – Logística;
• Martin Christopher – Supply Chain Management.
Revista Mundo Logística – Ano VIII – n°43 – novembro/dezembro 2014